sexta-feira, 13 de julho de 2007

Livro desencadeia memórias…


Uma das perguntas que mais me têm feito, depois da publicação do livro, é porque razão João Soares não protestou ou não requereu uma investigação sobre os resultados das eleições autárquicas de 2001 em Lisboa, já que surgiram dúvidas na sua “entourage” sobre a regularidade do acto eleitoral. E não há muitas respostas.
Independentemente de ter havido, efectivamente, uma fraude eleitoral, o assunto é interessante.
Soares tem respondido a esta questão dizendo: “Não ia ganhar na secretaria aquilo que tinha perdido nas eleições”.
A frase não é feliz. Pois se havia dúvidas se tinha perdido regularmente nas eleições, seria justo que ganhasse correctamente na secretaria. Mas o que Soares deve ter pretendido dizer – pelo menos disse-mo na conversa que teve no âmbito deste livro e que, de alguma forma, transparece no seu texto - é que Pedro Santana Lopes tinha tido o mérito de esmagar a vantagem inicial que Soares trazia. No fundo, merecia ganhar.
É isso que aventa Tomás Vasques (hojeháconquilhas...) ao afirmar:

“(...) para o candidato derrotado, João Soares, o assunto ficou morto na noite das eleições. Já depois do telefonema de António Guterres para João Soares a comunicar-lhe o abandono do cargo de primeiro-ministro, começaram os primeiros telefonemas a dar conta de que os votos contados não batiam certos. Foi-lhe sugerido que requeresse ao tribunal a recontagem dos votos. Dispunha de 8 dias para o fazer. Mas, João Soares, se a memória não me falha, terá dito: «Não vou ganhar na secretaria o que perdi nas urnas». E desinteressou-se completamente do assunto, apesar da insistência de um seu amigo, Alberto Silva Lopes , em lhe demonstrar a fraude. E como a história da cidade e do país seguiu outro caminho…”

Este depoimento tem um mérito de trazer dúvidas sobre a própria versão apresentada no livro por Soares e pelos responsáveis concelhios. Ou seja, de que, na noite das eleições, nunca teria havido conhecimento de discrepâncias face aos números transmitidos pelo Ministério da Justiça e que os números recolhidos pelos militantes nas freguesias teriam batido certo com os do STAPE.
Depois, se João Soares teria sentido alguma relutância em dar crédito às próprias dúvidas suscitadas nessa noite de eleições, acabou por se sentir "picado" pelo mesmo mal. Já após a posse de Santana Lopes em Janeiro de 2002, ou seja, fora do prazo de contestação, passou um conjunto de documentos eleitorais, para Alberto Silva Lopes os estudar. Mas nunca desencadeou alguma diligência oficial no sentido de saber o que se passara.
É aqui surge um outro elemento importante e que me parece pouco sustentável como argumento. É o trazido por Medeiros Ferreira (aqui):

“(…) filio a sua atitude [de Soares] mais na preocupação de não criar um precedente de suspeita eleitoral do que na estratégia de chamar rapidamente a direita para o poder. Um pouco como Nixon nas eleições contra Kennedy em 1960: perante o impasse da contagem de votos e a estreita separação entre os candidatos, Nixon resolve felicitar Kennedy como sendo o candidato vencedor. Um gesto nobre que ninguém sublinhou...”

"Precedente"? Esse parece ser, na verdade, o receio de aplicar a lei. Criar precedentes, multiplicar novas contestações do "outro lado" e, no fim, enraizar nos cidadãos maus pensamentos contra a democracia...
Mas não será pior suscitar dúvidas sem as averiguar?
A “suspeita eleitoral” não deveria ser considerada como algo de grave, de dramático. Como assumem todos os responsáveis políticos e eleitorais, erros ocorrem em todas as eleições. Possivelmente irregularidades e fraudes também. É um risco inerente à democracia. E - como sublinhou Pacheco Pereira - essa irregularidades ou fraudes são, muito possivelmente, cometidas por pessoas "ultrazelosas" de várias forças políticas e não apenas de uma só. O que teria então de mal, ocupar os 8 dias seguintes à noite das eleições a debater a questão e discutir se valeria a pena? Na realidade, como atestou Vasco Lourenço, responsável da campanha eleitoral de Soares (ler no livro), o candidato quis fechar tudo muito depressa. E essa é a questão que seria interessante indagar. Porque não estão os políticos dispostos a aplicar a lei, de forma estrita?

Na verdade, o que deve estar em causa não é o bom nome do candidato ou o seu “fair-play”, ou a sua capacidade para gestos nobres. Uma eleição não é um concurso de candidatos. O que deve estar em causa é que cada voto conte, independentemente da interpretação política de cada candidato. Os candidatos decidem sozinhos se querem concorrer, mas depois devem contar os votos. E ninguém é dono dos votos, senão quem os colocou na urna...


1 comentário:

tomas vasques disse...

As suas observações são bem pertinentes. Quando tiver oportunidade voltarei ao assunto porque o tema é muito importante.